al68-185-208

Análise comparativa da inserção brasileira e mexicana na América Latina (2000-2015): semelhanças e diferenças

Comparative Analysis of Brazilian and Mexican Inserts in Latin America (2000-2015): Similarities and Differences

Beatriz Walid de Magalhães Naddi1

Resumo: Brasil e México são as duas maiores economias latino-americanas e, além disso, possuem vantagens geográficas óbvias: o Brasil por seu vasto território e o México por sua posição geoestratégica entre América do Norte e América Latina. Por este motivo, ambos exercem uma importante influência na região. Com base nisso, este artigo tem como propósito analisar a inserção de Brasil e México na América Latina entre 2000 e 2015, considerando, desde aspectos diplomáticos até econômico-comerciais, o que permite um balanço global de suas políticas externas para a região. Para isso, é utilizada análise sistêmica, dividindo a inserção desses países entre posturas semelhantes e divergentes. Ao final, considera-se que fatores como o histórico da relação com a região, a dialética dos interesses nacionais e internacionais, a estratégia de desenvolvimento adotada, sua localização geográfica, a relação estabelecida com os eua e o contexto regional são preponderantes para as aproximações e distanciamentos das estratégias de inserção de Brasil e México.

Palavras-chave: América Latina; Brasil; México.

Abstract: Brazil and Mexico are the largest Latin American economies and they also have obvious geographical advantages: Brazil for its vast territory and Mexico for its geo-strategic position between North America and Latin America. For this reasons, both exert an important influence in the region. Based on this, this article aims to analyze the leverage of Brazil and Mexico in Latin America between 2000 and 2015, considering, from diplomatic to economic-commercial aspects, that allow a global balance of their foreign policies for the region. For this, a systematic analysis is developed, divided between similar and divergent strategies of these countries. Factors such as the historical relation with Latin America, the dialectic of national and international interests, the development strategy adopted, its geographic location, the US relation and the regional context are preponderant for the approximations and distances between Brazil and Mexico’s regional leverage strategy.

Key words: Latin America; Brazil; Mexico.

Recibido: 18 de abril de 2018

Aceptado: 1 de agosto de 2018

DOI: 10.22201/cialc.24486914e.2019.68.57084

Introdução

Ao longo de suas histórias, os países latino-americanos desenvolveram distintas posturas político-econômicas que resultam, consequentemente, em diferentes posicionamentos diante do sistema internacional e regional (Bizzozzero 2011). Como afirma Soares de Lima (2014: 218): “Essa heterogeneidade é resultado das diferenças nos modelos de integração, regimes produtivos, modelos de democracia e opções de política externa entre os países latino-americanos, bem como de suas respectivas agendas bilaterais com os Estados Unidos”. Dentre as diferentes estratégias, destaca-se a brasileira e a mexicana.

Maior economia da América Latina e nona do mundo, com um Produto Interno Bruto (pib) de us$ 1 796 trilhões (2016), o Brasil distingue-se por sua extensão territorial —quinto maior território do mundo (8 515 767 km²)— ocupando 48% da área total sul-americana. Politicamente, a estratégia brasileira de desenvolvimento especialmente durante os governos Lula e parte do governo Dilma foi pautado no modelo social-desenvolvimentista2 (Bastos 2012) e no “Estado logístico”3 de Cervo (2003). Com base nisso, o Brasil entre 2000 e 2015 experimentou uma significativa ascensão política e econômica em um cenário de grande liquidez de capital (originada no boom dos preços das commodities) e de multipolarização do sistema internacional, com a emergência de potências regionais, como China, Índia, Rússia e África do Sul. Neste contexto, o Brasil passou a tomar a América do Sul como prioridade de sua política externa e, assim, a investir na formação de um bloco de apoio à sua projeção internacional por meio de uma política externa ativa e altiva pensada por Marco Aurélio Garcia e posta em prática pelo chanceler Celso Amorim.

Primeiro houve uma reformulação do Mercado Comum do Sul (Mercosul), núcleo do bloco sul-americano, ao agregar a ele funções políticas, sociais e infraestruturais, para além do comércio. Em seguida, no lugar da Cúpula Sul-Americana lançada em 2000 pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, foi criada em 2004 a Comunidade Sul-Americana de Nações (casa) buscando uma maior institucionalidade ao diálogo entre Mercosul e Comunidade Andina de Nações (can). Ainda nesse ano, foi criada a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (iirsa) a qual visava a

ampliação e modernização da infraestrutura física na América do Sul, em especial nas áreas de energia, transportes e comunicações, com vistas a configurar eixos de integração e de desenvolvimento econômico e social para o futuro espaço econômico ampliado da região, tendo presente, em particular, a situação dos países que enfrentam dificuldades geográficas para ter acesso por via marítima aos mercados internacionais (Comunicado de Brasília 2000).

Em 2008, a casa foi reformulada para a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) a qual estabeleceu um projeto amplo de integração, abrangendo temas sociais, culturais, infraestruturais (vinculação da iirsa) e securitários (como o Conselho de Defesa Sul-Americano). De acordo com Giacalone (2013: 139), “Si Mercosur sirvió para convertir a Brasil en actor económico global, Unasur le sirve para afirmarse como actor político global”. Assim, o Brasil ganhou cada vez mais protagonismo, influência (principalmente diplomática, empresarial e econômica) e projeção de seu poder no cenário regional e internacional.

Por sua vez, o México posiciona-se como a segunda maior economia da América Latina e décima quinta mundial, com um pib de us$ 1.045 trilhões (2016). Além disso, o Estado mexicano tem uma interessante posição geoestratégica por ter limites tanto com o oceano Atlântico quanto com o Pacífico e por estar no encontro entre a América Latina e a América do Norte. Politicamente, a partir de meados da década de 1980, frente à crise da dívida, houve “un proceso de reformas de amplio alcance a fin de aumentar la función económica del sector privado y dar mayor margen a la acción de las fuerzas de mercado, y de acelerar la inserción en la economía mundial” (Moreno-Brid, Ros 2004: 47), refletindo em uma política externa pautada no comércio exterior e em sua inserção ao mercado estadunidense – ou seja, o modelo de desenvolvimento para fora (ou export-led growth) ou, segundo Guillén (2010), o modelo neoliberal o qual recebe as seguintes críticas:

ese furor exportador ha conducido a creer que la firma de tratados es el camino eficiente para ello y que lo que sigue es impulsar de cualquier forma las ventas al exterior para lo que ha ido necesario mantener un bajo nivel salarial (en comparación con otros países exportadores, en especial China) y, sobre todo, incrementar el contenido importado de las exportaciones (Gazol 2016: 127).

La orientación unilateral “hacia fuera” no se ha traducido en que el progreso técnico y el crecimiento del sector exportador se irradie al conjunto del sistema productivo. Por el contrario, se han generado procesos de desindustrialización, de ruptura de cadenas productivas y de desestructuración y destrucción de la agricultura tradicional, con altos costos en materia de empleo (Guillén 2010: 4).

Desta forma, o México, baseado em seu alinhamento político-econômico com os Estados Unidos da América (eua) a partir da criação do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (nafta) na década de 1990, manteve entre 2000 e 2015 uma estratégia de multiplicação e fortalecimento dos Tratados de Livre Comércio e Acordos de Complementação Econômica. Ao mesmo tempo, o Estado mexicano utiliza historicamente a América Latina como uma válvula de escape, no sentido de contrabalancear sua relação com o vizinho do norte (González 2006). Assim, após o período de afastamento mexicano da região na década de 1990, os governos mexicanos a partir do ano 2000 começaram a, paulatinamente, promover e/ou participar de iniciativas de integração como: o Plan Puebla Panamá (ppp) em 2000 —relançado como Proyecto Mesoamérica em 2008—, a Aliança do Pacífico em 2011 e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (celac) em 2013.

O ppp faz parte de um projeto histórico de projeção mexicana na América Central, que teve seu ápice nas décadas de 1970 e 1980 frente às intervenções estadunidenses na região. No entanto, apesar desse histórico, o Plano respondeu mais à lógica recente de inserção regional mexicana baseada na atração de investimentos para a impulsão de sua projeção comercial. Quanto à celac, o México exerceu grande protagonismo em sua criação, sendo esta o aglutinamento do Grupo do Rio4 com a Cúpula da América Latina e do Caribe sobre Integração e Desenvolvimento (calc).5 Como afirma Pellicer:

Al proponer un esquema de coordinación que integrara a todos los países latinoamericanos, México reivindicaba su identidad, no sólo como uno de los componentes más importantes de América Latina, sino como el iniciador de una nueva propuesta de integración que cerraba la brecha que se había abierto entre el norte y el sur (Pellicer 2013: 877).

No entanto, este bloco tem poucas possibilidades práticas, haja vista as divergências em estratégia de desenvolvimento e inserção entre os países da região, mantendo-se como um mecanismo intergovernamental de diálogo e concertação política.

Por outro lado, a Aliança do Pacífico representa de forma mais clara a estratégia e o momento da inserção mexicana. O século xxi vem apresentando três grandes desafios ao México: 1) a dependência econômica aos eua —que compromete sua estabilidade; 2) o crescimento da região Ásia-Pacífico como maior centro dinâmico; e 3) seu afastamento da integração latino-americana (ou melhor, sul-americana) desde a década de 1990. Desta forma, a inserção mexicana na Aliança do Pacífico pode ser compreendida como uma resposta a estes três desafios, retomando um papel mais ativo e até de liderança no regionalismo latino-americano, diversificando suas relações e buscando integrar-se de maneira mais efetiva ao mercado asiático via Pacífico (Aranda 2014; Bartesaghi 2014).

A partir desta breve explanação do cenário e das principais estratégias de política exterior de Brasil e México nesses primeiros quinze anos do século xxi, parte-se para um levantamento e análise das divergências e semelhanças de suas inserções na América Latina.

Desenvolvimento

Primeiramente, é necessário esclarecer que as diferenças e as semelhanças não são categorias rígidas, pois, estando dentro das ciências humanas e sociais, não é possível uma classificação total, sendo este artigo, portanto, um esforço de análise e sintetização das principais características, estratégias e posturas de Brasil e México frente a América Latina entre 2000 e 2015.

Consideradas tais premissas, parte-se para a classificação e análise de cada elemento semelhante e divergente de Brasil e México em suas estratégias de inserção na América Latina.

Semelhanças

A primeira semelhança diz respeito à posição da América Latina em sua estratégia de política externa, na medida em que ambos os países, Brasil e México, se caracterizam como bifronte,6 ainda que com “frontes” diferentes.

No caso mexicano, seu caráter bifronte se estabelece desde sua geografia, sendo incluído tanto na América do Norte, o que é compreensível vide sua longa fronteira com os eua7 e o racha existente entre o México e a América do Sul, quanto na América Latina, por compartilhar a identidade linguístico-cultural com os demais países da região. Assim, a política externa mexicana se divide entre sua inserção à América do Norte e à América Latina. Segundo Robins (2014), o México estaria sob a atração da gravidade de uma superpotência e, ao mesmo tempo, de sua cultura dominante.

Localizado entre o Estado com maior força gravitacional no mundo contemporâneo tanto em termos de hard power quanto soft power —os eua— ainda que sendo predominantemente parte da cultura hispânica e considerado (em contraste aos eua) uma economia ‘em desenvolvimento’8 (Robins 2014: n.p., tradução nossa).

Para Pellicer (2006: 2, tradução nossa),9 “apesar dos fortes vínculos do México com os Estados Unidos, os dois países não são aliados políticos; e mesmo que faça parte da América Latina, o México não é um líder regional”. Dessa forma, o México se estabelece como um Estado bifronte cuja base econômica está no norte e sua tradição cultural está no sul. Como afirma Ojeda (2010: 147), “Suele decirse que el estómago de México está en América del Norte, pero su corazón en América Latina”.

Enquanto isso, segundo Malamud e Rodriguez (2014), o Brasil exerce seu bifrontismo entre uma região —América do Sul— e sua inserção global. Isto porque “o país é muito grande para deixar que a região prenda suas mãos, mas ainda muito pequeno para ‘se globalizar’ sem se importar com o potencial prejuízo de seus vizinhos”10 (Malamud, Rodriguez 2014: n.p., tradução nossa). Dessa forma, o Brasil —principalmente durante o governo Lula— propulsionou sua integração à América do Sul como forma de instrumentalizar sua projeção internacional.

Dentro da região, o Brasil se autoproclama como um par ou um intermediário e nunca como um hegemon ou mesmo um líder. Isto porque sua relação com a região é baseada por um longo período de desconfiança, haja vista sua extensão continental, sendo temida uma atuação sub-imperialista. Assim, a partir da década de 1990, o Brasil vem utilizando a integração regional como forma de aprofundar sua relação com os países vizinhos. Frente a um contexto de crise das economias centrais e ascensão de países emergentes, a década de 2000 propiciou o cenário ideal à projeção brasileira a nível global. Fundamentando-se em seu crescimento econômico, o Brasil atuou no cenário global, colocando-se como representante da América Latina e dos países em desenvolvimento por meio de alianças (como os brics e o ibas) e fóruns/organismos internacionais (como a onu, o G20 comercial e o financeiro, cops).

Ainda assim, Malamud e Rodriguez (2014) destacam que o Brasil ficou mais reconhecido como liderança regional mundialmente do que na América do Sul, propriamente dita, na medida em que

Argentina, Colômbia e México se recusaram a apoiaram a candidatura de longa data do Brasil a um assento permanente no Conselho de Segurança da onu e os candidatos brasileiros à diretoria geral da OMC (Malamud, Rodriguez 2014: n.p.).

Assim, a estratégia bifronte brasileira é pautada na utilização de um dos frontes como instrumento de propulsão ao outro fronte.

A segunda semelhança refere-se ao discurso de autonomia pela integração latino-americana, pois ambos os países utilizam em discurso a promoção da integração regional como forma de elevar sua autonomia frente às economias centrais e aos abalos do sistema internacional.

Baseando-se em seu próprio caráter bifronte descrito acima, para o Brasil a integração regional seria o meio e a autonomia o fim, o que resulta na promoção da integração regional até o ponto que não prejudique sua autonomia (Spektor 2010). Além disso, o investimento em discursos ou ações direcionados à América Latina funciona também como um contrapeso à influência estadunidense na região, vide a proposta brasileira da alcsa frente à Iniciativa das Américas, o Mercosul frente ao nafta e a Cúpula de Presidentes Sul-Americanos e casa frente a proposta do Acordo de Livre Comércio das Américas (alca).

No caso mexicano, o discurso de autonomia pela integração latino-americana se dá em dois contextos. O primeiro é seu interesse estratégico de contraponto aos eua, sendo a América Latina um ponto de contenção e/ou equilíbrio dentro dessa relação triangular (González 2006). Já o segundo se dá em função de sua própria construção histórico-política nacional, pois os resquícios da Revolução Mexicana11 e a preponderância do Partido Revolucionário Institucional (pri) exigem da política exterior um discurso de autonomia pela proximidade com a América Latina a fim de neutralizar a pressão dos partidos de esquerda e latino-americanistas.

A terceira semelhança identificada é o interesse que ambos os países demonstraram entre 2000-2015 na integração infraestrutural da região, haja vista que em 2000, enquanto o Brasil lançou a iirsa na América do Sul, o México apresentou o Plan Puebla-Panamá (ppp) na América Central. O objetivo de ambas as iniciativas é similar: a promoção da integração infraestrutural, aumentando a integração e o desenvolvimento regional. De igual maneira, as dificuldades e críticas também são as mesmas: financiamento limitado frente aos gargalos infraestruturais da região, muito em função da dependência de agências de financiamento, e projetos mais favoráveis ao escoamento da produção que à interconexão da região em si (Luce 2007; Novoa 2009; Mariano 2014; De Vega 2011; Ceceña 2009).

Agrega-se ainda no caso brasileiro a criação, em 2004, do Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (focem) o qual tem como razão

financiar programas para promover a convergência estrutural, desenvolver a competitividade e promover a coesão social, em particular das economias menores e regiões menos desenvolvidas; apoiar o funcionamento da estrutura institucional e o fortalecimento do processo de integração (Mercosul 2004: 1).

Na divisão das divisas, o Brasil apresenta-se como o grande promotor, aportando mais de 55% e recebendo somente 11.5% dos investimentos. No entanto, Tessari (2009, apud Mariano 2014: 269) afirmam que, na realidade, o focem não seria um mecanismo voltado de facto à redução das desigualdades intrabloco, mas sim uma estratégia brasileira de amenizar as tensões com os membros menores, mantendo a estabilidade do bloco, que pode ser verificado pela quantia irrisória destinada ao fundo (us$ 100 milhões) frente às profundas debilidades econômico-infraestruturais da região (Mariano 2014).

Por fim, a quarta semelhança se baseia na assimetria com a região, pois, por se tratarem das maiores e mais industrializadas economias da América Latina, Brasil e México mantêm uma relação de profunda desequilíbrio em relação aos demais países da região. Ambos os países são grandes produtores de produtos manufaturados, enquanto que entre os latino-americanos predomina a produção agropecuária. Isto pode ser verificado pelo quadro 1, a qual elenca os dez produtos com saldo comercial mais favorável de Brasil e México com a região no ano de 2015, onde destacam-se veículos, máquinas e eletrônicos em geral.

Como reflexo disso, em estudo recente sobre as translatinas (Exame 2017), dentre as duzentas maiores empresas por valor de mercado da América Latina, setenta são brasileiras e cinquenta são mexicanas. Ou seja, em função de seu peso econômico e seu maior desenvolvimento tecnológico e competitivo, as empresas brasileiras e mexicanas se sobressaem de maneira evidente sobre as demais.

Diferenças

Uma primeira diferença identificada é a relação desenvolvida por Brasil e México para com os Estados Unidos. Segundo Luce (2007), existe uma escala entre antagonismo e cooperação na relação entre os países dependentes e a potência hegemônica, que é ilustrado por Luce (2007: 26-27) no quadro 2.

Assim, quanto maior o nível de alinhamento, maior sua relação de cooperação (integração hierárquica vertical), enquanto que quanto maior o enfrentamento, maior o antagonismo (anti-imperialismo), havendo ainda fases intermediárias de alinhamento (cooperação antagônica e competição antagônica). Nesse sentido, verifica-se que o Brasil utiliza de enfrentamentos focalizados, por meio de uma “barganha leal”, sem afetar a relação especial com o imperialista, estabelecendo, o que o autor classifica de cooperação antagônica. Enquanto isso, o México se enquadra, em geral, no modelo de integração hierárquica vertical, ao direcionar sua economia em prol do vizinho do norte —via nafta— e por renunciar de um projeto de liderança regional maior.

Segundo essa mesma linha, como define Rocha (2006: 321), o México se estabelece como “subordinado relativamente” e o Brasil como “autônomo relativamente”, pois “México acepta relativamente y Brasil resiste relativamente la redefinición o refundación de la hegemonía de los eeuu.

A segunda diferença diz respeito ao projeto de liderança regional, na medida em que o Brasil manteve um projeto de liderança regional mais claro, investindo em projetos políticos, comerciais e até securitários, enquanto que o México investiu em projetos menos ambiciosos, mais limitados a aspectos comerciais.

No caso do Brasil, este se enquadra como impulsionador e país central em diversos projetos regionais, como: Mercosul, focem, iirsa, Comunidade Sul-Americana de Nações —posterior Unasul— e Conselho de Defesa Sul-Americano (cds). Ainda assim, o Brasil historicamente adota uma postura cautelosa no que tange a seu posicionamento de líder regional, haja vista que a assimetria de poder frente aos demais países da região reflete no temor de um Brasil subimperialista. Por esse motivo, Burges (2009) aponta a ênfase em negociações por consenso como forma de driblar possíveis denúncias de subimperialismo, o que ele conceitua como “hegemonia consensual”.

Enquanto isso, no que diz respeito ao México, Pellicer (2006: 2, tradução nossa)12 afirma que “um dos maiores obstáculos para o melhor posicionamento internacional mexicano na política internacional ou para a aquisição de um status de potência média tem sido sua dificuldade em definir sua identidade regional específica”. Ou seja, sua própria característica bifronte o constrange. Além disso, a proximidade geográfica e político-econômica à potência mundial Estados Unidos já toma do México grande atenção e esforço diplomático, o que deixa a América Latina em um grau inferior em sua agenda de política externa.

Um exemplo disso é a Aliança do Pacífico, pois, apesar do México ser o país de maior peso político-econômico dentro do bloco, não foi quem lançou a iniciativa13 e, tampouco, se nomeia como uma liderança, o que, segundo Hendler (2015: 233), pode ser explicado pelo próprio “escopo liberal da integração e a não contiguidade territorial entre os países”. Ainda assim, verifica-se uma tentativa, mesmo que tímida e limitada, de liderança mexicana, pelo do ppp/Projeto Mesoamérica dentro da América Central, e, em menor medida, na impulsão da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, em 2010.

A terceira diferença na estratégia de inserção regional de Brasil e México foram as sub-regiões de maior atenção, ou seja, o nível de atenção dedicado por Brasil e México às diferentes sub-regiões da América Latina também é diferente e responde muito ao próprio recorte geográfico da região.

O México eleva a América Central e Caribe, haja vista seu próprio histórico de mediação nos conflitos e tensões na região desde a Revolução Cubana em 195914 até os conflitos centro-americanos da década de 1980 (De Vega 2011). Em relação especificamente ao período analisado (2000-2015), sua atuação é mais limitada no plano de blocos regionais –como o ppp ou Projeto Mesoamérica– e mais intensa no âmbito bilateral (quadro 3), via tratados de livre comércio (todos países centro-americanos, exceto Belize). Dessa forma, analisa-se que um fator restritivo à atuação mexicana mais profunda na sub-região é a mesma ser também um foco de atenção primordial da política externa estadunidense.

Enquanto isso, o Brasil, desde a década de 1990, vem investindo em sua projeção na América do Sul, buscando delimitar sua liderança regional e evitando sub-regiões mais próximas à influência dos eua, principalmente a partir da adesão do México ao nafta. Nesse sentido, em 1993, foi proposta a criação da alcsa, a qual, além de responder à adesão do México ao nafta, também se estabelecia como uma “proteção” ao avance dos eua em busca do prolongamento do mesmo para a conformação de uma área de livre comércio integrando toda a América. Contudo, tal proposta não teve repercussão nos demais países da região e, assim, foi abandonada. Foi só então, em 2000, com a Cúpula dos Presidentes Sul-Americanos, que iniciou um desencadeamento de iniciativas concretas de sul-americanização da inserção brasileira, vide a iirsa, a casa, a Unasul e cds. Ainda assim, destaca-se que, no caso brasileiro, existe ainda uma microrregião de atenção fundamental, núcleo de sua inserção na América do Sul: o Conesul, representado pelo Mercosul, sendo a Argentina o ponto fulcral.

A quarta diferença se relaciona à América Latina como contraponto à América do Sul: ao passo que o Brasil buscou desenvolver uma esfera de influência e liderança na América do Sul, o México —e outros países preocupados com a projeção assimétrica brasileira— defenderam a elevação da América Latina como um todo. Um exemplo disso foi o lançamento da celac pelo esforço do México em 2010, com apoio de outros países de peso, como a Argentina (Flemes, Wehner 2012). Ou seja, o prejuízo do conceito de América do Sul à inserção do México na região é evidente, e por isso, o país tratou de apoiar a concepção latino-americana de integração, em contraponto à sul-americana do Brasil (Caballero 2013).

Finalmente, a quinta diferença se baseia no grau de intensidade que as agendas política e comercial foram desenvolvidas pelos governos brasileiros e mexicanos entre 2000 e 2015. A diferença de conteúdo entre as iniciativas brasileiras e mexicanas na integração latino-americana durante o período analisado é evidente. Por um lado, o México seguiu na promoção de acordos de livre comércio (quadro 3) chegando Antonio Gazol (2016: 126) afirmar que “en ocasiones pareciera que está enfrascado en una especie de justa olímpica en cuanto a tratados para ganar la medalla de oro”. Por outro, o Brasil ampliou sua agenda da década de 1990 (como o Mercosul), ao agregar elementos políticos, culturais, securitários, vide: Mercosul Social, Mercosul Cultural, focem, Unasul, csd, Banco do Sul.

A representação disso está especificamente nos projetos regionais símbolo de Brasil e México entre 2000 e 2015: a Unasul e a Aliança do Pacífico. Enquanto a Unasul investe em uma proposta política, infraestrutural, securitária e cultural, a Aliança do Pacífico retoma os preceitos do regionalismo aberto, focando na integração comercial. Como afirma Briceño (2013), em sua conceituação sobre os atuais eixos de integração, a Unasul se enquadraria no eixo revisionista, enquanto que a Aliança do Pacífico no eixo do regionalismo aberto. Assim, enquanto este último segue o que o autor chama de modelo do “regionalismo estratégico”, o qual tem uma marcada inclinação comercial via livre comércio para a abertura da região integrada à economia internacional, o primeiro “sufre la transformación de un modelo de regionalismo estratégico a un hibrido que incluye elementos de los modelos de regionalismo social y productivo” (Briceño 2013: 23).

Ao mesmo tempo, destaca-se a maior congruência entre a Aliança do Pacífico e o Mercosul, os quais têm como objetivo fundamental a promoção da integração comercial entre seus membros. Nesse sentido, é importante destacar um trabalho de aproximação dos blocos liderado pelo Chile (Giancalone 2017; Menezes et al. 2016), o que mais uma vez demonstra a frágil proatividade do governo mexicano no que tange a projetos e parcerias maiores com a região.

Considerações finais

Visto isto, pode-se concluir que as semelhanças e diferenças nos posicionamentos e estratégias de inserção regional adotadas por Brasil e México frente à América Latina são pautadas nos seguintes fatores: 1) a construção histórica de sua relação com a região; 2) a dialética entre os interesses políticos e econômicos nacionais com o sistema internacional; 3) o modelo de desenvolvimento econômico adotado; 4) sua própria localização geográfica; 5) o tipo de relação desenvolvida com os eua; e, por fim, vi) o contexto político-econômico nacional, regional e internacional de maior ou menor margem de manobra para o investimento em políticas mais autônomas.

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1 Universidad de São Paulo, Brasil (bwnaddi@gmail.com).

2 O modelo social-desenvolvimentista parte de uma perspectiva onde a redistribuição de renda e a redução das desigualdades sociais têm papel ativo no estímulo ao crescimento e desenvolvimento econômico do país. No caso brasileiro, a expansão do crédito e programas sociais como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida tiveram papel central nessa modelo (Bastos 2012).

3 O Estado logístico, segundo Cervo (2003), promove apoio logístico aos empreendimentos públicos e privados, com o fim de torná-los competitivos e aliados ao desenvolvimento nacional.

4 O Grupo do Rio (1986) é resultado da aglutinação de duas iniciativas anteriores: o Grupo de Contadora e o Grupo de Apoio a Contadora. O Grupo de Contadora, criado em 1983 por Colômbia, México, Panamá e Venezuela, teve como objetivo promover a pacificação dos conflitos os quais a América Central vinha enfrentando. Em consonância a esta iniciativa, Argentina, Brasil, Peru e Uruguai criaram o Grupo de Apoio a Contadora em 1985. Assim, o Grupo do Rio (1986) se estabeleceu como um centro de articulação das políticas externas dos países latino-americanos.

5 Em meio à crise econômico-financeira mundial de 2008-2009, o Brasil convocou neste último ano a Cúpula da América Latina e sobre Integração e Desenvolvimento (calc) reunindo os 33 países da América Latina e Caribe para sua primeira Cúpula neste mesmo ano na Costa do Sauípe. O resultado deste encontro foi a Declaração de Salvador, a qual “preconizava o alinhamento de posicionamentos em relação à crise financeira e a promoção da cooperação regional nas áreas de energia, infraestrutura, combate regional à fome e à pobreza, manejo sustentável de recursos naturais e desenvolvimento sustentável e proteção dos direitos humanos” (Reis Silva e da Silveira 2013).

6 O conceito de Estado bifronte nasceu a partir da observação da atuação de Estados que buscam se inserir em duas regiões, utilizando em cada uma delas estratégias diferentes. A principal obra que trabalha o conceito é o livro The Role, Position and Agency of Cusp States in International Relations (Herzog, Robins 2014).

7 eua e México compartilham a maior fronteira terrestre do mundo: 3 141 km.

8 Texto original: “located between the state with the strongest gravitational pull in the contemporary world in terms of both hard and soft power —the usa— yet at the same time having a predominantly Spanish culture, and considered (very much in contrast to the usa) to have an economy that is ‘developing’ in nature” (Robins 2014: n.p.).

9 Texto original: “despite Mexico’s strong links to the United States, the two countries are not political allies; and although it forms part of Latin America, Mexico is not a regional leader” (Pellicer 2006: 2).

10 Texto original: “the country is too big to let the region tie its hands, but still too small to ‘go global’ without caring about the damaging potential of its neighborhood” (Malamud e Rodriguez 2014: n. p.).

11 A Revolução mexicana (1910-1917) teve como objeto deflagrador a reeleição fraudulenta de Porfírio Díaz. Díaz governou o México por 39 anos, com diversas eleições forjadas, sendo esse período conhecido como Porfiriato. Sua política se baseava na facilitação de investimentos externos e na exploração do setor exportador, apoiando, por exemplo, a expansão dos latifúndios. Com base nisso, em 1910 foi deflagrada uma revolta política que se espraiou aos setores populares e camponeses, transformando-se em uma profunda revolução na sociedade mexicana. Tal processo resultou em dez anos de disputas pelo poder, principalmente, pela pressão dos grupos liderados por Emiliano Zapata (ao sul) e Pancho Villa (ao norte), os quais lutavam por reformas sociais e agrárias. Por fim, em 1917, foi outorgada uma constituição a qual legalizava a reforma agrária e iniciou-se, a partir de então, um processo paulatino de estabilização.

12 “Um dos maiores obstáculos à melhora do posicionamento do México na política internacional ou à aquisição de um status de potência média tem sido sua dificuldade em definir a identidade regional especifica do país” (Pellicer 2006: 3).

13 A Aliança do Pacífico —assim como sua iniciativa precedente (Arco do Pacífico)— foi proposta pelo então presidente peruano Alan Garcia (Briceño 2010).

14 O Estado mexicano foi o primeiro a reconhecer o governo de Fidel Castro, apenas quatro dias após sua tomada do poder (Ojeda 2010). Mesmo com a pressão dos eua, o México se manteve em defesa dos princípios de não intervenção e autodeterminação dos povos em relação a Cuba até a atualidade (com exceção do governo Fox), o que se estabelece como uma importante ferramenta de contraponto e autonomia frente aos eua.

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